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Marina Colasanti

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Outras palavras

Marina Colasanti

Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.


Marina Colasanti, Fino sangue

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Miragem selvagem

Marina Colasanti

Naveguei até uma ilha
que só existe na miragem,
onde uma tribo selvagem
tornou-se minha família.
Em meio a tanta amizade
com casa, cama e fogão
nem deu pra sentir saudade.
Só o cachorro da tribo
não se enturmava comigo,
o faro mais que a razão
lhe revelava a verdade,
eu não era realidade
mas apenas ilusão.

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Novo, de novo

Marina Colasanti

O gato
dorso curvado
se espreguiça
no telhado.
O galo
canto maduro
abre o bico
no alto muro.

O homem abre a janela,
a mulher, a geladeira,
e lá vem a choradeira
do bebê.

Mais um dia começa
como Deus é servido
trazendo a promessa
de ser que nem ovo
já bem conhecido
mas novo.

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Jardinagem abaixo do equador

Marina Colasanti

Deve ser erro meu
querer jardim lá onde a natureza
só pretende selva.
Gramados, convenhamos,
são coisas de europeu
com galgos, gamos
e um castelo ao fundo
erva aparada em
séculos de cascos
coturnos e
sapatinhos de damas,
séculos de batalhas
e sangue nas raízes.
Aqui a batalha que travo
é muito outra,
luta contra as daninhas
contra as pragas
sempre mais fortes do que grama
ou flores.
Arranco e arranco
despedaçando em vão as pobres unhas.
Onças, tamanduás, serpentes e gambás
riem de mim
no escuro não distante.
E me pergunto se não sou eu
a praga
nessa insistência cega em extirpar
quem aqui nasce e vive
de direito.

Marina Colasanti, Poesia em 4 tempos

Marina Colasanti

Marina Colasanti – A hora vai-se embora

Marina Colasanti

O trem avança no trilho
o trilho corre no chão
as horas são estribilho
e o tempo não passa em vão.

Giram as pás do moinho
caem as folhas do verão
as horas são estribilho
as que chegam e as que vão.

Levanto a taça de vinho
agradeço o que me dão
faço da hora estribilho
como a vida feito pão.

 

Marina Colasanti, O nome do manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Cena amena

Marina Colasanti

Da cartola sai o pombo
da cabeça, o pensamento
do tempo sai o momento
do descuido faz-se o tombo.

De uma coisa, coisa nasce
pinto, do ovo
velho, do novo,
líder, do povo.

O começo está escondido
no segredo da matriz,
e cada vez que acontece
é por um triz.

 

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Vida bem medida

Marina Colasanti

Da camélia breve é a vida,
mas como dizer breve
de uma vida bem vivida?
Qual é
do tempo
a medida?
Se a flor hoje desabrocha
e amanhã já está caída
não foi breve essa passagem
mesmo não sendo comprida.
Foi o tempo da beleza,
do mais puro alumbramento
e alumbrar, na natureza,
acontece em um momento.

 

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – A cozinha se avizinha

Marina Colasanti

Que ruído aconchegante
se espalha pela casa
e alcança o meu ouvido.
É louça contra louça
uma tampa que canta
na beira da panela
o talher que reclama
caindo no ladrilho,
e o estribilho das vozes que
conversam. A cozinha
antes muda
ganha vida.
Prepara-se a comida
e a voz da fome implora
que chegue logo a hora
da mesa ser servida.

 

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – A Centopeia

Marina Colasanti

Quem foi que primeiro
teve a ideia
de contar um por um
os pés da centopeia?

Se uma pata você arranca
será que a bichinha manca?

E responda antes que eu esqueça
se existe o bicho de cem pés

será que existe algum de cem cabeças?

 

Marina Colasanti, Cada bicho seu capricho

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Azul bem marinho

Marina Colasanti

Estranho lugar
é o mar.
Tem cavalos que não trotam,
não relincham, não galopam,
não andam pelos caminhos,
são marinhos.
Tem estrelas que não brilham,
não iluminam o mundo,
nadam no fundo.
Tem água que não é água
e parece ir à deriva,
é água-viva.
E acima da superfície
fugindo dos predadores
saltam peixes… voadores.

 

Marina Colasanti, Estranheza com beleza

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Mesmo parada

Marina Colasanti

O que se move na noite escura?
Cupim roendo madeira dura,
gambá na toca, pingo de chuva,
pata que cava, unha que fura,
sombra entrevista pela fissura.

Na noite muda, quem faz ruído?
Água que corre, bicho ferido,
folha que morre, galho partido,
suspiro, espirro, ronco e grunhido,
vento que sopra como um gemido.

A noite avança. Mesmo parada
a madrugada move suas asas
sobre o telhado das casas. E já
a boca da noite bebe leite,
e o galo canta o nome da manhã.

 

Marina Colasanti, O nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Era uma vez, três

Marina Colasanti

Bem debaixo da sombrinha
da moça novidadeira
busca abrigo uma andorinha
vinda de terra estrangeira.
No topete arrepiado
do menino moderninho
vai procurar aliado
um valente porco-espinho.
Atrás da locomotiva
vai correndo o jacaré,
não sabe que a alternativa
é ela andar de marcha a ré.

 

Marina Colasanti, O Nome da manhã

Marina Colasanti

Marina Colasanti – Perigo quase amigo

Marina Colasanti

Há no forro do meu teto
um movimento secreto
não sei se de pata ou asa
mas de alguém que ali fez casa.
Esse inquilino abusado
não toma o menor cuidado
raspa, grunhe, pia e arrasta
até que tanta saliência
desgasta minha paciência
e grito e bato no alto
para ver se lhe dou um basta.
Quero expulsar esse intruso
jogar-lhe desinfetante,
e ao mesmo tempo não ouso
pois sinto que o visitante
foi se tornando no tempo
amigo oculto constante.

 

Marina Colasanti, O Nome da manhã