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Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – NÁUFRAGO

Alphonsus de Guimaraens

E temo, e temo tudo, e nem sei o que temo.
Perde-se o meu olhar pelas trevas sem fim.
Medonha é a escuridão do céu, de extremo a extremo…
De que noite sem luar, mísero e triste, vim?

Amedronta-me a terra, e se a contemplo, tremo.
Que mistério fatal corveja sobre mim?
E ao sentir-me no horror do caos, como um blasfemo,
Não sei por que padeço, e choro, e anseio assim.

A saudade tirita aos meus pés: vai deixando
Atrás de si a mágoa e o sonho… E eu, miserando,
Caminho para a morte alucinado e só.

O naufrágio, meu Deus! Sou um navio sem mastros.
Como custa a minha alma a transformar-se em astros,
Como este corpo custa a desfazer-se em pó!

Alphonsus de Guimaraens, Melhores poemas

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Luar sobre a cruz da tua cova

Alphonsus de Guimaraens

Sonhei que estava no eremitério,
Rezando sempre rezas de cor.
E como o luar clareasse o chão do cemitério,
Pensei num mundo que é talvez melhor.

Branca de linho como um fantasma,
A torre grande era só tristeza.
E como envolta em luar, muito magoada e pasma,
Estava ao longe não sei que Princesa.

Era talvez a Desesperança,
Com o seu cortejo de sonhos maus.
(Demônios, dai começo à vossa contradança,
Vinde cantar os lânguidos solaus!)

“Certo o coração de tudo esquece,
Quando muitos anos são passados… “
E eu não te esqueço mais, alma da minha prece,
Que voaste para os mundos encantados!

“Eu sei que o amor sempre se renova, ‘
E que ninguém pode viver só… “
E como o luar clareasse a cruz da tua cova,
Vi o meu sonho transformado em pó.

Alphonsus de Guimaraens, Melhores poemas

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – É necessário amar

Alphonsus de Guimaraens

É necessário amar… Quem não ama na vida?
Amar o sol e a lua errante! amar estrelas,
Ou amar alguém que possa em sua alma contê-las,
Cintilantes de luz, numa seara florida!
Amar os astros ou na terra as flores… Vê-las
Desabrochando numa ilusão renascida…
Como um branco jardim, dar-lhes na alma guarida,
E todo, todo o nosso amor para aquecê-las…
Ou amar os poentes de ouro, ou o luar que morre breve,
Ou tudo quanto é som, ou tudo quanto é aroma…
As mortalhas do céu, os sudários de neve!
Amar a aurora, amar os flóreos rosicleres,
E tudo quanto é belo e o sentido nos doma!
Mas, antes disso, amar as crianças e as mulheres…

Alphonsus de Guimaraens, Obra completa

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Initium

Alphonsus de Guimaraens

Tanta agonia, dores sem causa,
E o olhar num céu invisível posto…
Prantos que tombam sem uma pausa,
Risos que não chegam mais ao rosto…

Noites, passadas de olhos abertos,
Sem nada ver, sem falar, tão mudo…
Alguém que chega, passos incertos,
Alguém que foge, e silêncio em tudo…

Só, perseguido de sombras mortas,
De espectros negros que são tão altos…
Ouvindo múmias forçar as portas,
E esqueletos que me dão assaltos…

Só, na geena deste meu quarto
Cheio de rezas e de luxúria…
Alguém que geme, dores de parto,
– Satã que faz nascer uma fúria…

E ela que vem sobre mim, de braços
Escancarados, a agitar as tetas…
E nuvens de anjos pelos espaços,
Anjos estranhos com as asas pretas…

E o inferno em tudo, por tudo o abismo
Em que se me vai toda a coragem…
“Santa Maria, dá-me o exorcismo
Do teu sorriso, da tua imagem!”

E os pesadelos fogem agora…
Talvez me escute quem se levanta:
B a lua… e a lua é Nossa Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!


Alphonsus de Guimaraens, Melhores poemas

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Ai dos que vivem, se não fora o sono

Alphonsus de Guimaraens

Ai dos que vivem, se não fora o sono!
O sol, brilhando em pleno espaço, cai
Em cascatas de luz; desce do trono
E beija a terra inquieta, como um pai.
E surge a primavera. O áureo patrono
Da terra é sempre o mesmo sol. Mas ai
Da primavera, se não fora o outono,
Que vem e vai, e volta, e outra vez vai.
Ao níveo luar que vaga nos outeiros
Sucedem sombras. Sempre a lua tem
A escuridão dos sonhos agoureiros.
Tudo vem, tudo vai, do mundo é a sorte…
Só a vida, que se esvai, não mais nos vem.
Mas ai da vida, se não fora a morte!

Alphonsus de Guimaraens, Obra completa

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – A catedral

Alphonsus de Guimaraens

Entre brumas, ao longe, surge a aurora.
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino geme em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

Alphonsus de Guimaraens, Obra completa

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Ismália

Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

 

Alphonsus de Guimaraens, Poemas

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Ao poente

Alphonsus de Guimaraens

Ficávamos sonhando horas inteiras,
com os olhos cheios de visões piedosas:
éramos duas virginais palmeiras,
abrindo ao céu as palmas silenciosas.

As nossas almas, brancas, forasteiras,
no éter sublime alavam-se radiosas.

Ao redor de nós dois, quantas roseiras!

O áureo poente coroava-nos de rosas.

Era um harpejo de harpa todo o espaço:
mirava-a longamente, traço a traço,
no seu fulgor de arcanjo proibido.

Surgia a Lua, além, toda de cera…

Ai como suave então me parecera
a voz do amor que eu nunca tinha ouvido!

Alphonsus de Guimaraens, Amar, Verbo Atemporal

Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens – Ossa mea

Alphonsus de Guimaraens

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…

Alphonsus de Guimaraens