Navegando pela Categoria

Joseph Brodsky

Joseph Brodsky

Joseph Brodsky – Allenby road

Joseph Brodsky

Ao entardecer, quando as ruas paralisadas perdem
as esperanças de ouvir soar uma ambulância, decidindo-se afinal
por chineses que passeiam a esmo, enquanto os olmos imitam o mapa
de um país vestido com roupa khaki, que embala seus inimigos,
a vida vai pouco a pouco ficando míope, remendada,
aquilina, geométrica, sem brilho
e sem detalhes – cornijas, maçanetas de porta, Cristos –
que realcem as silhuetas: chaminés, telhados, um crucifixo.
Teu gesto de fechar as persianas desencadeia a teoria
do dominó, pois não importa o tamanho do nó
que se desfaça em tua garganta, as futuras bolas de neve,
à luz da lâmpada, sempre formarão o perfil de um inevitável “não”.
Não é porque, ultimamente, os preços andem salgados,
mas ninguém ousa pegar essa bolsinha de tijolos
cheia de trocados, que mal dá para pagar uma boa noite de sono.

Joseph Brodsky, Poesia soviética

Joseph Brodsky

Joseph Brodsky – Eu era apenas quanto

Joseph Brodsky

Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.

Eu era, embaixo, quanto
notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.

Foste quem logo, ardente,
criou-me a sussurrar,
seja à direita, à esquerda,
a concha auricular.

Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.

Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.

E, assim, criam-se mundos
que são postos de lado,
girando, quando prontos,
presente abandonado.

Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio.

Joseph Brodsky, Quase uma elegia

Joseph Brodsky

Joseph Brodsky – Quase uma elegia

Joseph Brodsky

Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
minha suposição. Pois algum dia
também eu fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava sorrateiro
uma beldade -rápido- descendo
a escada principal.
Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o “aonde” acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Pêras pensas,
cheias de seiva nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.

Joseph Brodsky, Quase uma elegia