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Antero de Quental

Antero de Quental

Antero de Quental – Despondency

antero de quental

Deixá­-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá­-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram…

Deixá­-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá­-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… deixá­-la ir, a vida!

Antero de Quental, Melhores poemas

Antero de Quental

Antero de Quental – SOLEMNIA VERBA

antero de quental

Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andamos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: Desta altura veio o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.

 

Antero de Quental, Melhores poemas

Antero de Quental

Antero de Quental – Metempsicose

antero de quental

Ardentes filhas do prazer, dizei­-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?

Noutra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tínheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?

Vós fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leoas ou panteras,
De dentadas de amor um corpo exangue…

Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leoas! sim, bebei meu sangue!

Antero de Quental, Melhores poemas

Antero de Quental

Antero de Quental – A M. C.

antero de quental

No céu, se existe um céu para quem chora,
Céu, para as mágoas de quem sofre tanto…
Se é lá do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que não devora…

No céu, se uma alma nesse espaço mora,
Que a prece escuta e enxuga o nosso pranto…
Se há Pai, que estenda sobre nós o manto
Do amor piedoso… que eu não sinto agora…

No céu, ó virgem! findarão meus males:
Hei-de lá renascer, eu que pareço
Aqui ter só nascido para dores.

Ali, ó lírio dos celestes vales!
Tendo seu fim, terão o seu começo,
Para não mais findar, nossos amores.

Antero de Quental, Sonetos completos

Antero de Quental

Antero de Quental – Beatrice

antero de quental

Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar no céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

Depois que sobre o peitro os braços apertando
Achei o vácuo só, e tive a luz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,
Virei­-me a outro céu, nem ergo já meus olhos
Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contém…

Não temas pois — Oh vem! o céu é puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma…
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

Antero de Quental, Melhores poemas, Seleção de Benjamin Abdalla Junior

Antero de Quental

Antero de Quental – A. M. E

antero de quental

Terra do exílio! Aqui também as flores
Têm perfume e matiz; também vicejam
Rosas no prado, e pelo prado adejam
Zéfiros brandos suspirando amores:

Também cá tem a terra seus primores;
Pelos vales as fontes rumorejam;
Tem as moitas seus sopros, que bafejam,
E o céu tem sua luz e seus ardores.

Em toda a natureza há amor e cantos,
Em toda a natureza Deus se encerra…
E contudo esta é a causa de meus prantos!

Eu sou bem como a flor que não descerra
Em clima alheio. Que importam teus encantos?
Não és, terra do exílio, a minha terra.

Antero de Quental, Melhores poemas

Antero de Quental

Antero de Quental – Mãe…

antero de quental

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava,

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

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Antero de Quental

Antero de Quental – Ignoto deo

antero de quental

Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que refletes em mim teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o sol se espelha?

O mundo é grande — e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na terra: e eu, pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro… nua e velha…

Não é mortal o que eu em ti adoro.
Que és tu aqui? olhar de piedade,
Gota de mel em taça de venenos…

Pura essência das lágrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no céu ao menos!

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Antero de Quental

Antero de Quental – Entre Sombras

antero de quental

Vem às vezes sentar-se ao pé de mim
— A noite desce, desfolhando as rosas —
Vem ter comigo, às horas duvidosas,
Uma visão, com asas de cetim…

Pousa de leve a delicada mão
— Rescende aroma a noite sossegada —
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração…

E diz-me essa visão compadecida
— Há suspiros no espaço vaporoso —
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?

Vem comigo! Embalado nos meus braços
— Na noite funda há um silêncio santo —
Num sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços…

Porque eu habito a região distante
— A noite exala uma doçura infinda —
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante…

Habito ali, e tu virás comigo
— Palpita a noite num clarão que ofusca —
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alívio, pobre amigo…

Assim me fala essa visão nocturna
— No vago espaço há vozes dolorosas —
São as suas palavras carinhosas
Água correndo em cristalina urna…

Mas eu escuto-a imóvel, sonolento
— A noite verte um desconsolo imenso —
Sinto nos membros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento…

Fito-a, num pasmo doloroso absorto
— A noite é erma como campa enorme —
Fito-a com olhos turvos de quem dorme
E respondo: Bem sabes que estou morto!

Antero de Quental, Sonetos completos

Antero de Quental

Antero de Quental – Salmo

antero de quental

Esperemos em Deus! Ele há tomado
Em suas mãos a massa inerte e fria
Da matéria impotente e, num só dia,
Luz, movimento, acção, tudo lhe há dado.

Ele, ao mais pobre de alma, há tributado
Desvelo e amor: ele conduz à via
Segura quem lhe foge e se extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.

E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,
Que anseio por mais vida e maior brilho,
Há-de negar-me o termo deste anseio?

Buscou quem o não quis; e a mim, que o chamo,
Há-de fugir-me, como a ingrato filho?
Ó Deus, meu pai e abrigo! espero!… eu creio!

Antero de Quental, Sonetos Completos

Antero de Quental

Antero de Quental – Aspiração

antero de quental

Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.

Minh’alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém do pressentir dá-me a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

Antero de Quental, Sonetos completos

Antero de Quental

Antero de Quental – As fadas

antero de quental

“As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…

Algumas em fonte fria
Escondem-se enquanto é dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…”

 

Antero de Quental, As fadas

Antero de Quental

Antero de Quental – Aparição

antero de quental

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!),
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trêmulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

– “Ouve! espera!” – Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

 

Antero de Quental, Cinco séculos de sonetos Portugueses

Antero de Quental

Antero de Quental – Amor vivo

antero de quental

Amar! mas dum amor que tenha vida…
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delírios e desejos
Duma douda cabeça escandecida…

Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delírios e desejos —
Mas amor… dos amores que têm vida…

Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia…

Nem murchará do sol à chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores… se têm vida?

 

Antero de Quental, Sonetos Completos

Antero de Quental

Antero de Quental – Nirvana

antero de quental

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades, 
Sem amor, sem anseios, sem carinhos, 
Livre de angústias e felicidades, 
Deixando pelo chão rosas e espinhos; 

Poder viver em todas as idades; 
Poder andar por todos os caminhos; 
Indiferente ao bem e às falsidades, 
Confundindo chacais e passarinhos; 

Passear pela terra, e achar tristonho 
Tudo que em torno se vê, nela espalhado; 
A vida olhar como através de um sonho; 

Chegar onde eu cheguei, subir à altura 
Onde agora me encontro – é ter chegado 
Aos extremos da Paz e da Ventura! 

Antero de Quental, Sonetos