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Cruz e Souza

Cruz e Souza

Cruz e Sousa – Alma solitária

cruz e souza

Ó Alma doce e triste e palpitante!
que cítaras soluçam solitárias
pelas Regiões longínquas, visionárias
do teu Sonho secreto e fascinante!

Quantas zonas de luz purificante,
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!

que chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
dos esplendores do arco de aliança?

Por que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!

Cruz e Sousa, Últimos Sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Após o noivado

cruz e souza

Em flácido divã ela resvala
Na alcova – bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.

E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente
Parece que a razão de gozo, estala.

Mas eis – corre-se então nívea cortina:
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergéis a luz divina…

Depois… Oh! Musa audaz, ousada, e nua,
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal – Vamos… recua!…

Cruz e Souza, O Livro Derradeiro

Cruz e Souza

Cruz e Sousa – Livre

cruz e souza

Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.


Cruz e Sousa, Últimos Sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Eternidade retrospectiva

cruz e souza

Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só, por olímpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.

Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.

As estrelas, longínquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.

Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!

Cruz e Souza, Últimos sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Velho

cruz e souza

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um suco de lágrimas pungidas
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
Que vai soturno amortalhando as vidas
Ante o repouso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga,
Que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio
Ó desespero da desgraça eterna.

Cruz e Souza, Últimos Sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Condenação fatal

cruz e souza

Ó mundo, que és o exílio dos exílios,
Um monturo de fezes putrefato,
Onde seres vis circula nos concílios.

Onde de almas em pálidos idílios
O lânguido pefume mais ingrato
Magoa tudo e é triste como o tato
De um cego embalde levantando os cílios.

Mundo de peste, de sangrenta fúria
E de flores leprosas da luxúria,
De flores negras, infernais, medonhas.

Oh! como são sinistramente feios
Teus aspectos de fera, os teus meneios
Pantéricos, ó Mundo, que não sonhas!

cruz e souza, Últimos sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Natureza

cruz e souza

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavíssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dás a quem deseja
Vigor, saúde a crença que floreja,
Que as expansões do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sãos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idéia esplêndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…

Cruz e Souza, O livro derradeiro

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Madona da tristeza

cruz e souza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!

Cruz e Souza, Últimos sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Sousa – As estrelas

cruz e souza

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

 

Cruz e Sousa, Faróis

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Em sonhos…

cruz e souza

Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…

As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão d e tantos sóis radia.

Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando…

Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!

 

Cruz e Souza, Broquéis

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Dormindo…

cruz e souza

Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava – a pálpebra cerrada –
Uma ilusão esplendida de ótica.

A peregrina carnação das formas,
– o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a Vênus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar – pela janela aberta –
– como uma vaga exclamação – incerta
Entrava a flux – cascateado – branco!!…

 

Cruz e Souza, O livro derradeiro

Cruz e Souza

Cruz e Sousa – Quando eu partir

cruz e souza

Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,

Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!

 

Cruz e Sousa, Obras completas vol. 1

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Supremo anseio

cruz e souza

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espírito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a ideia do futuro.

Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarão, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarão esplendoroso e louro
Do amor de mãe – que é como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

 

Cruz e Souza, O livro do derradeiro

Cruz e Souza

Cruz e Souza – A perfeição

cruz e souza

A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.

Noss’alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.

Noss’alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!

 

Cruz e Souza, Últimos sonetos

Cruz e Souza

Cruz e Souza – Piedade

cruz e souza

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

 

Cruz e Souza, Últimos Sonetos