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Jorge de Sena

Jorge de Sena

Jorge de Sena – Arte de amar

Quem diz de amor fazer que os actos não são belos
que sabe ou sonha de beleza? Quem
sente que suja ou é sujado por fazê-los
que goza de si mesmo e com alguém?
Só não é belo o que se não deseja
ou que ao nosso desejo mal responde.
E suja ou é sujado que não seja
feito do ardor que se não nega ou esconde.
Que gestos há mais belos que os do sexo?
Que corpo belo é menos belo em movimento?
E que mover-se um corpo no de um outro o amplexo
não é dos corpos o mais puro intento?

Olhos se fechem não para não ver
mas para o corpo ver o que eles não,
e no silêncio se ouça o só ranger
da carne que é da carne a só razão

Jorge de Sena, Exorcismos

Jorge de Sena

Jorge de Sena – Amo-te muito, meu amor, e tanto

Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.
Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo
tão quase é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Jorge de Sena, As evidências

Jorge de Sena

Jorge de Sena – Quem a tem…

Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser
Desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
E sempre a verdade vença,
Qual será ser livre aqui,
Não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
É quase um crime viver.
Mas embora escondam tudo
E me queiram cego e mudo,
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.

 

Jorge de Sena, Fidelidade

Jorge de Sena

Jorge de Sena – Independência

Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
Recuso-me, também, às que tiverem
Pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
E às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
E às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
E a estar sozinho ou estar acampanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
Como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!

 

Jorge de Sena, Cinco séculos de sonetos Portugueses