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Mario Quintana

Mario Quintana

Mario Quintana – Magias

mario quintana

Conheço uma cidade azul.
Conheço uma cidade cor de ferrugem.
Na primeira, há helicópteros pairando…
Na segunda, espiam de seus esconderijos os olhos das
ratazanas…
No entanto
é a mesma cidade
e,
onde a gente estiver,
será sempre uma alma extraviada em labirintos
escusos
ou, então,
uma alma perdida de amor…
Sim! por ser habitado por almas
é que este nosso mundo é um mundo mágico…
onde cada coisa – a cada passo que se der
vai mudando de aspecto…
de forma…
de cor…
Vai mudando de alma!

Mario Quintana, Baú de espantos

Mario Quintana

Mario Quintana – O poeta e a sereia

mario quintana

Sereiazinha do rio Ibira…
Feiosa,
Até sardas tem.
Cantar não sabe:
Olha e me quer bem.
Seus ombros têm frio.
Embalo-a nos joelhos,
Ensino-lhe catecismo
E conto histórias que inventei especialmente para o seu espanto.

Um dia ela voltou para o seu elemento!

Sereiazinha,
Eu é que sinto frio agora…

Mario Quintana, Apontamentos de história sobrenatural

Mario Quintana

Mario Quintana – Obsessão do mar oceano

mario quintana

Vou andando feliz pelas ruas sem nome…
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano…
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas… e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral…
Búzios calçando portas… caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos…
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina…
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos…
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas…
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Mario Quintana, Quintana de bolso

Mario Quintana

Mario Quintana – Vida

mario quintana

Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de as olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de

aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida…
Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!

Mario Quintana, Esconderijos do tempo

Mario Quintana

Mario Quintana – Canção para uma valsa lenta

mario quintana

Minha vida não foi um romance…
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa… de encanto… de medo…

Minha vida não foi um romance…
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance…
Pobre vida… passou sem enredo…
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance…
Ai de mim… Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso… de um gesto… um olhar…

Mario Quintana, Melhores Poemas Mario Quintana

Mario Quintana

Mario Quintana – Canção de domingo

mario quintana

Que dança que não se dança?
Que trança não se destrança?
O grito que voou mais alto
Foi um grito de criança.

Que canto que não se canta?
Que reza que não se diz?
Quem ganhou maior esmola
Foi o Mendigo Aprendiz.

O céu estava na rua?
A rua estava no céu?
Mas o olhar mais azul
Foi só ela quem me deu!

Mario Quintana, Antologia poética

Mario Quintana

Mario Quintana – A luta

mario quintana

Quando eu era pequenino
Atirava rimas ao poema
Como ossos a um cãozinho…

Eu cresci. Ele cresceu. Agora…
Que é ele e quem sou eu,
Que não mais nos conhecemos?

Quando, agora, a sós ficamos,
Nous hurlons de nous trouver ensemble:
Quase que nos devoramos…

Mas vem a aurora apagadora de lampiões
E vem, pé ante pé, a hora
Burguesa e triste do café

(Pelas encostas do tempo
Soluçam rimas de outrora…)

E fica tudo para o próximo
Round!

Mario Quintana, Antologia poética

Mario Quintana

Mario Quintana – Ah! os relógios

mario quintana

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Mario Quintana, A rua dos cataventos

Mario Quintana

Mario Quintana – Pequeno poema didático

mario quintana

O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!

Mario Quintana, Melhores poemas

Mario Quintana

Mario Quintana – O poema do amigo

mario quintana

Estranhamente esverdeado e fosfóreo,
Que de vezes já o encontrei, em escusos bares submarinos,
O meu calado cúmplice!

Teríamos assassinado juntos a mesma datilógrafa?
Encerráramos um anjo do Senhor nalgum escuro calabouço?

Éramos necrófilos
Ou poetas?
E aquele segredo sentava-se ali entre nós todo o tempo,
Como um convidado de máscara.
E nós bebíamos lentamente a ver se recordávamos…
E através das vidraças olhávamos os peixes maravilhosos e terríveis cujas complicadas formas eram tão difíceis de compreender como os nomes com que os catalogara Marcus Gregorovius na sua monumental Fauna Abyssalis.

Mario Quintana, A rua dos cataventos 

Mario Quintana

Mario Quintana – Canção de barco e de ouvido

mario quintana

Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.

Ai esquinas esquecidas…
Ai lampiões de fins de linha…
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?

Que eu vou passando e passando.
Como em busca de outros ares…
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares…

No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.

Mario Quintana, A rua dos cataventos

Mario Quintana

Mario Quintana – O límpido cristal

mario quintana

Que límpido o cristal de abril!… Um grito
não vai como os da noite — para os extramundos…
Todas as vozes, todas as palavras ditas — cigarras presas
dentro do globo azul — vão em redor do mundo
e a ninguém é preciso entender o que elas dizem;
basta aquele bordoneio profundo
que vibra com o peito de cada um…
palavras felizes de se encontrarem uma com a outra
nas solidões do mundo!

Mario Quintana, Antologia poética

Mario Quintana

Mario Quintana – Dentro da noite alguém cantou

mario quintana

Dentro da noite alguém cantou.
Abri minhas pupilas assustadas
De ave noturna… E as minhas mãos, pelas paradas,
Não sei que frêmito as agitou!

Depois, de novo, o coração parou.
E quando a lua, enorme, nas estradas
Surge… dançam as minhas lâmpadas quebradas
Ao vento mau que as apagou…

Não foi nenhuma voz amada
Que, preludiando a canção sonâmbula,
No meu silêncio me procurou…

Foi minha própria voz, fantástica e sonâmbula!
Foi, na noite alucinada,
A voz do morto que cantou.

Mario Quintana, Melhores poemas