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Samarone Lima

Samarone Lima

Samarone Lima – Elogio da manhã

Samarone Lima

Debruça-te na manhã
Ela nunca é prematura
Não cobra por entregar-se inteira
como serva que se regozija por existir

Deixa que ela avance em tuas plantas, paredes,
em teus dedos
que alcance teus filhos, amores, filiações
como os animais que buscam calor gratuito por instinto

Tuas roupas sorriem, estendidas
enamoradas dessa atmosfera
e logo voltarão a ti
para celebrar teus encontros, viagens, perdas
teu cansaço

Deixa que a manhã te diga, em silêncio
as palavras que se esconderam de ti
nesta noite que nunca mais voltará

Lembra que, ao abrir os olhos
estarás levando teu sangue a um mundo que não cansa
e segue, em seu perpétuo movimento
até que venha o amanhã

Abre teus braços e recebe este Deus que nunca se perde

Segue
Vai como o sol, em sua exuberância calada
Ilumina em silêncio tua escuridão
teus calabouços, quimeras
E depois,
nada diz

Vestida de sol,
num varal enroscado na alma
haverás de moldar novas formas delicadas
de prenúncios e aleluias
e tudo será eterno
e teu

Samarone Lima, O Céu nas mãos

Samarone Lima

Samarone Lima – Alma antiga

Samarone Lima

Essa possibilidade de escrever versos
Que alguém, um dia, poderá ler
(e sentir algo próximo ao que senti)
Não veio de estudos
De projetos literários
De vocação familiar

Veio de uma saudade

De uma estrada irregular
Que a memória percorre e não esquece
De uma árvore velha, numa antiga aldeia,
Que geme seu tempo
Adorando a noite

Veio de uma janela aberta
Que nunca olhei
Por onde entravam chuvas, pássaros,
folhas, animais,
enfermidades, sopros,
rezas, mortes

Como se tivessem inventado
uma rede de murmúrios
Apenas para brincar
(e deixar a saudade ser minha esperança)
A estrada irregular, portanto
É uma existência efêmera que migrou
Para o meu sangue

Assim me visto para o dia
A cada folha ocupada
Cada palavra enterrada no meu chão
Acalento uma alma antiga
Que nada mais me pede

Samarone Lima, O céu nas mãos

Samarone Lima

Samarone Lima – Quase em teu coração

Samarone Lima

Te dou minha companhia
Orvalhos de velha floração
Algumas árvores nuas

E minha camisa listrada
Botões que são estrelas sem cascas
Meu dorso sem feridas
Meu passado

Estranho que sou,
Te dou o outro que nasceu por acaso
Que morreu tantas vezes
Dentro do teu corpo

E vou sorrindo
Cheio de saudades
Do pouco que te dei

Samarone Lima, O céu nas mãos

Samarone Lima

Samarone Lima – À margem

Samarone Lima

A fé na manhã que me amarra
Aos teus cabelos

E meus sentidos
Permanecem ofuscados
por uma neblina, uma calmaria,
Como se os olhos contemplassem
Uma espera à margem

Essa espera que não tem um ponto
Para se revelar
Que não conhece o tempo,
Que independe das estações,
das chuvas, das chamas
Das promessas dissolvidas
Das dissoluções gratuitas
Que nos damos sempre

Por descuido
Por medo

Ou, finalmente,
Por tanto amor


Samarone Lima, O céu nas mãos

Samarone Lima

Samarone Lima – Como um perdão

Samarone Lima

Dentro do teu silêncio
Tua boca como um sol

Teu silêncio
Em busca de um deus sem nome

Um alfabeto novo
Com palavras desgarradas

Dentro do teu silêncio
Tua alma
Como uma promessa

Teus olhos
Que a tudo batizam
Como um perdão

Samarone Lima, O céu nas mãos

Samarone Lima

Samarone Lima – Espera sem tempo

Samarone Lima

Cada dia uma aventura, um infinito
O gosto de falar sozinho
De costas ao espelho que não existe

O infortúnio, a dor
A desigualdade das mãos
Resvalando em outras mãos
Que invento

Cada dia um sopro, um susto
Uma gargalhada que ecoa
Na memória do amor

E o não dito
O guardado
Fica como uma espera sem tempo
uma casa desabitada
com a memória dos passos
a marcar o chão

Samarone Lima, O céu nas mãos