Amante, te amo e me amas e te amo,
são curtos os dias, os meses, a chuva, os trens;
são altas as casas, as árvores, e somos mais altos;
se acerca na areia a espuma que quer beijar-te;
transmigram as aves dos arquipélagos
e crescem em meu coração tuas raízes de trigo.
Não há dúvida, amor meu, que a tempestade de setembro
caiu com seu ferro oxidado sobre tua cabeça
e quando, entre rajadas de espinhos te vi caminhando indefesa,
tomei tua guitarra de âmbar, pus-me a teu lado,
sentindo que eu não podia cantar sem tua boca,
que eu morria se não me olhasses chorando na chuva.
Porque os quebrantos de amor à beira do rio,
porque a cantata que em pleno crepúsculo ardia em minha sombra,
por que se encerraram em ti, chillaneja* fragrante,
e restituíram o dom e o aroma que necessitava
minha roupa gasta por tantas batalhas de inverno?
Pablo Neruda, A barcarola
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