Olho em volta de mim. Todos possuem – 
Um afecto, um sorriso ou um abraço. 
Só para mim as ânsias se diluem 
E não possuo mesmo quando enlaço. 
Roça por mim, em longe, a teoria 
Dos espasmos golfados ruivamente; 
São êxtases da côr que eu fremiria, 
Mas a minh’alma pára e não os sente! 
Quero sentir. Não sei… perco-me todo… 
Não posso afeiçoar-me nem ser eu: 
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu, 
Falta-me unção pra me afundar no lôdo. 
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser 
Forçoso me era antes possuir 
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher, 
E eu não logro nunca possuir!… 
Castrado de alma e sem saber fixar-me, 
Tarde a tarde na minha dor me afundo… 
Serei um emigrado doutro mundo 
Que nem na minha dor posso encontrar-me?… 
* * * * *
Como eu desejo a que ali vai na rua, 
Tão ágil, tão agreste, tão de amor… 
Como eu quisera emmaranhá-la nua, 
Bebê-la em espasmos d’harmonia e côr!… 
Desejo errado… Se a tivera um dia, 
Toda sem véus, a carne estilizada 
Sob o meu corpo arfando transbordada, 
Nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria… 
Eu vibraria só agonizante 
Sobre o seu corpo de êxtases dourados, 
Se fôsse aquêles seios transtornados, 
Se fôsse aquêle sexo aglutinante… 
De embate ao meu amor todo me ruo, 
E vejo-me em destrôço até vencendo: 
É que eu teria só, sentindo e sendo 
Aquilo que estrebucho e não possuo. 
Mário de Sá-Carneiro, Dispersão

					

No Comments