No Engenho Poço não nasci: 
minha mãe, na véspera de mim, 
veio de lá para a Jaqueira, 
que era onde, queiram ou não queiram, 
os netos tinham de nascer, 
no quarto-avós, frente à maré. 
Ou porque chegássemos tarde 
(não porque quisesse apressar-me, 
e se soubesse o que teria 
de tédio à frente, abortaria) 
ou porque o doutor deu-me quandos, 
minha mãe no quarto-dos-santos, 
misto de santuário e capela, 
lá dormiria, até que para ela, 
fizessem cedo no outro dia 
o quarto onde os netos nasciam. 
Porém em pleno Céu de gesso, 
naquela madrugada mesmo, 
nascemos eu e minha morte, 
contra o ritual daquela Corte 
que nada de um homem sabia: 
que ao nascer esperneia, grita. 
Parido no quarto-dos-santos, 
sem querer, nasci blasfemando, 
pois são blasfêmias sangue e grito 
em meio à freirice de lírios, 
mesmo se explodem (gritos, sangue), 
de chácara entre marés, mangues. 
João Cabral de Melo Neto, A Literatura como Turismo

					

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