Cora Coralina

Cora Coralina – Minha Cidade

cora coralina
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Goiás, minha cidade… 
Eu sou aquela amorosa 
de tuas ruas estreitas, 
curtas, 
indecisas, 
entrando, 
saindo 
uma das outras. 
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. 
Eu sou Aninha. 

Eu sou aquela mulher 
que ficou velha, 
esquecida, 
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes, 
contando estórias, 
fazendo adivinhação. 
Cantando teu passado. 
Cantando teu futuro. 

Eu vivo nas tuas igrejas 
e sobrados 
e telhados 
e paredes. 

Eu sou aquele teu velho muro 
verde de avencas 
onde se debruça 
um antigo jasmineiro, 
cheiroso 
na ruinha pobre e suja. 

Eu sou estas casas 
encostadas 
cochichando umas com as outras. 
Eu sou a ramada 
dessas árvores, 
sem nome e sem valia, 
sem flores e sem frutos, 
de que gostam 
a gente cansada e os pássaros vadios. 

Eu sou o caule 
dessas trepadeiras sem classe, 
nascidas na frincha das pedras: 
Bravias. 
Renitentes. 
Indomáveis. 
Cortadas. 
Maltratadas. 
Pisadas. 
E renascendo. 

Eu sou a dureza desses morros, 
revestidos, 
enflorados, 
lascados a machado, 
lanhados, lacerados. 
Queimados pelo fogo. 
Pastados. 
Calcinados 
e renascidos. 
Minha vida, 
meus sentidos, 
minha estética, 
todas as virações 
de minha sensibilidade de mulher, 
têm, aqui, suas raízes. 

Eu sou a menina feia 
da ponte da Lapa. 
Eu sou Aninha. 

Cora Coralina, Melhores Poemas, Seleção Darcy França Denófrio

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3 Comentários

  • Responder
    Regina Ribeiro
    06/12/2021 at 05:36

    Amo Cora. Que artista maravilhosa!A capacidade tão grande de nos despertar tantos valores superiores , e retrata-los tão bem , só poderiam provir de um grande coração, como o de Cora ! Difícil é não se ir às lágrimas após um texto deste !

  • Responder
    Regina Ribeiro
    06/12/2021 at 05:38

    Deixei um comentário. Só não sei se foi encaminhado. O site não mostrou isso.

  • Responder
    martinsferner@gmail.com
    11/08/2023 at 15:48

    A simplicidade das palavras, torna incrivelmente bela, seus poemas. As belezas contadas em cada verso.

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