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Bruna Beber

Bruna Beber

Bruna Beber – 2

Bruna Beber

Plantei uma goiabeira
dentro do banheiro
e a cigarra veio
morar comigo

Desde então tomo banho
de óculos, uma sensação
de melancolia molhada
que aprecio

Mas não amo, amor é o que vejo
semear, romper e brotar
da barriga da cigarra
uma parceria:

O canto
é ancestral, adquirido
às vezes peço uma canção
ela não tem ouvidos

Seu olho esbugalhado
de sapo explosivo
o meu inchado
de chorar sem motivo

Estou satisfeita,
mas não devo esperar
nada, é como criar
uma sereia.

 

Bruna Beber, Ladainha

Bruna Beber

Bruna Beber – 127

bruna beber

Ando cansada.
Ando cansada da perna
Ando cansada da veia
Ando cansada do pé

É a musculatura, a ossatura
e a fascite plantar. Metatarsalgia,
Neuroma de Morton, rígido hálux

Ando muito devagar. É informação,
é inflamação. E o que não é dedo,
é tornozelo ou calcanhar

Ando muito cansada dos cigarros
que eu fumo porque eles se fumam
sozinhos quando venta.
Ando cansada de pólvora.

 

Bruna Beber, Ladainha

Bruna Beber

Bruna Beber – 43

Bruna Beber

Sei que não é o momento
mas espere um instante
escrevi a resposta
letra sincera, simulada educação
e cheguei ao final
morrendo de sede

Sei que não é o momento
mas espere, estava deserta
a casa, fiz uma ligação
para povoar a casa,
mas não fui atendida
que bom

Sei que não é o momento
mas aqui do lado tem ferrovia
o trem passa dentro de casa
o trem passou
passou como quem desiste
o trem raramente desiste de passar

E amanhã, amanhã
eu juro, amanhã eu vou
sair de casa
com a carta
pra longe
do trem

Sei que não é o momento
mas a carta não diz nada
demais, é como tudo
depois de tudo
a carta sou eu dormindo
a carta é alguém

jantando no escuro
Sei que não é mas eu digo
e vou dizer na ligação
assim que for atendida
e fui e é sua
a opção de deixar

o telefone no mudo
Sei que ele é quem persevera
célere, enérgico, vivaz
ligo, escrevo, canto, rio
para falar do instante
como este que dividimos agora

 

Bruna Beber, Ladainha

Bruna Beber

Bruna Beber – 131

Bruna Beber

Sempre limpo os pés antes de entrar
no sono e aí um frango inteiro lindo
e cru me tira para dançar

O filme é a revolta dos folclores e o mundo
se carameliza em bosta, toda vaca
é gordona e a terra cinza de papel

Os prédios têm mais nome de mulher
que nome de homem, e o azul é o azul
céu do centro-oeste brasileiro

Uma TV a flores ligada
na cena de um mandacaru
nascendo no dedão do pé

Bate aquela vontade de voar
e de descer a escada de barriga
pelo corrimão, cair de cara e morrer

Mas tomar distância num copo de pinga
beber leite pra brincar, depois pinga
depois distância de novo e cantar

A cabeça suja é boa para as coisas
que fazemos em cima dos castanheiros
por exemplo nada, e também um poema.

 

Bruna Beber, Ladainha

Bruna Beber

Bruna Beber – Romance em doze linhas

Bruna Beber

quanto tempo falta pra gente se ver hoje
quanto tempo falta pra gente se ver logo
quanto tempo falta pra gente se ver todo dia
quanto tempo falta pra gente se ver pra sempre
quanto tempo falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto tempo falta pra gente se ver às vezes
quanto tempo falta pra gente se ver cada vez menos
quanto tempo falta pra gente não querer se ver
quanto tempo falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.

Bruna Beber, Amar, Verbo Atemporal

Bruna Beber

Bruna Beber – Molhar as plantas

Bruna Beber

tudo tem barulho de mar
enceradeira isopor carro
em movimento aerosol
espirro pistola moeda
telha bombardeio cigarro
queimando pia degradê
cãimbra inseto monge
sua vizinha o futuro
tem barulho de mar
na camiseta no quadro
chinelo aeroporto gaiola
panela caverna birita
beijo tem biblioteca
também um curió bola
de chiclete sobretudo
um dinossauro alado
tem mar de todo tipo
de barulho e dentro
de cada mar um ralo
entupido de cabelos.

Bruna Beber, Rua da Padaria

Bruna Beber

Bruna Beber – O que dói primeiro

Bruna Beber

todo urubu titia gritava
urubu urubu sua casa
tá pegando fogo
todo estrondo na rua
papai dizia eita porra
aposto que bujão de gás
todo avião vovó acenava
é seu tio! desquentrou preronáutica
num tenho mais sossego
temi e ainda temo toda espécie
inflamável lamentei tanto urubu
desabrigado desejei o fim
da força aérea brasileira
só custei a entender mamãe
e o que queria dizer com seu irmão
não vem mais brincar com você
papai do céu levou.

Bruna Beber, Rua da Padaria