Arnaldo Antunes

Arnaldo Antunes – Pedra de pedra

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pedra de pedra de pedra
o que a faz tão concreta
senão a falta de regra
de sua forma assimétrica
incapaz de linha reta?

talvez a sua dureza
que mão alguma atravessa
tateia mas não penetra
o amálgama dos átomos
no íntimo da molécula?

será por estar parada
com sua presença discreta
sobre o chão mimetizada
obstáculo na pressa
onde o cego pé tropeça?

pedra de pedra de pedra
impenetrabilidade
íntegra ilesa completa
igual na luz ou na treva
do Cáucaso ou da Sibéria.
o que a faz tão concreta
de pedra de pedra pedra?
será sua superfície
que expõe a mesma matéria
da entranha mais interna?

casca que continua
por dentro do corpo espesso
e encrua até o avesso
sem consistência secreta
repleta apenas de pedra?

de pedra pedra de pedra
pousada em cima da terra
alheia à atmosfera
que a faz repousar pesada
no berço de sua inércia.

com sua massa compacta
onde planta não prospera
e nem bactéria medra
sobre a crosta que o sol cresta
até o seu nome empedra.
penha de penha de penha
fraga rocha roca brenha
por que se faz tão concreta?
por sua idade avançada
ou por rolar pela estrada?

talvez por estar inteira
entre uma e outra beira
de sua forma coesa
que se transforma em areia
quando o tempo a desintegra?

ou só porque não anseia
ser outra coisa e não esta?
nem pessoa nem floresta
nem mesmo a mera matéria
que a ideia não alcança?

 

Arnaldo Antunes, Agora aqui ninguém precisa de si 

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