Adélia Prado

Adélia Prado – EH!

adélia prado
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Têm cheiro especial
as bolas de carne cozinhando.
O cachorro olha pra gente
com um olho piedoso,
mas eu não dou.
Comida de cachorro é muxiba,
resto de prato.
Se lembro disto de noite
e estou sozinha no quarto
acho muito engraçado
e rio com estardalhaço:
a vida é mesmo uma pândega!
Dona Ló costurou pra dona Corina
que até hoje não pagou.
E bem que pode, já que exibe no lixo
papel higiênico Sublime,
que é do melhor e mais caro.
Mas os meninos se vingam:
có có có có có corina
có có có có có corina
sua roupa de baixo
tem catinga de urina.
O sol se põe intocado
atrás do morro onde ninguém nunca foi.
É brasa sua viva cor. Tem roxos,
uma angústia pendente
que sorvo em goles de antecipada saudade.
Quando a noite fechar,
dona Corina vai dormir com seu Lula,
homem sem fantasia,
que só faz as coisas de um jeito.
Dona Ló é viúva e dorme com Santa Bárbara,
“fulgente margarita que com melodia agradável
segues ao Esposo Cordeiro”.
Se não estou compassiva, boto as mãos nas cadeiras
e grito para o Radar: É DEVERA!
Ele bota o rabo entre as pernas
e vai dormir na coberta.
Ai, Deus, minha virgindade se consome
entre precisar de feijão,
pó de café e açúcar.
Tem piedade de mim.

Adélia Prado, O coração disparado

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