José Paulo Paes – Promissória ao bom Deus

NÃO TE AMAREI sobre todas as coisas, mas em cada uma delas,
por mínima que seja. É o que compete aos poetas fazer.

NÃO TOMAREI teu nome em vão, mesmo porque nome é coisa séria. Inclusive os feios, que, ditos por dá cá aquela palha, perdem muito da sua eficácia.

GUARDAREI os domingos e quantos dias de festa houver, que ninguém é de ferro, como descobriste no sexto dia da Criação.

SEMPRE HONREI pai pela paciência e mãe pela ternura com que
me aguentaram, a não ser por dois ou três cascudos tão a contragosto
que mais pareciam carícias disfarçadas.

SÓ MATAREI no sentido figurado da palavra — matar o bicho, matar o
tempo — por mais forte que seja a tentação do sentido próprio durante
o horário eleitoral gratuito.

NÃO PECAREI contra a casta idade assim que lá chegar. Por enquanto
estou só a caminho, Senhor!

NÃO FURTAREI, salvo se se tratar de uma boa ideia ou de um adjetivo
feliz que possa trazer um pouco de brilho à minha fosca literatura.

NÃO LEVANTAREI falso testemunho de ninguém, muito menos de ti, que hás por certo de preferir um agnóstico fora do teu templo a um vendilhão dentro dele.

NÃO COBIÇAREI coisas alheias. Deixo-as todas para os filisteus do meu
país, fascinados pelas quinquilharias do que, enchendo a boca, eles chamam de primeiro mundo.

NÃO DESEJAREI a mulher do próximo nem a do remoto. Como sabes, jamais tive paciência de esperar na fila.

EM SUMA, Senhor, vou fazer o humanamente possível para seguir teus
mandamentos. Mas desculpa, agora e na hora de nossa morte, qualquer
eventual escorregão nas cascas que o Diabo espalhou a mancheias pelo
nosso caminho depois de ter comido todas as frutas do teu, para sempre
perdido, Paraíso.

 

José Paulo Paes, Socráticas