Cesário Verde – Meridional

Cabelos

Ó vagas de cabelo esparsas longamente, 
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar, 
E tendes o cristal dum lago refulgente 
E a rude escuridão dum largo e negro mar; 

Cabelos torrenciais daquela que me enleva, 
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus 
No báratro febril da vossa grande treva, 
Que tem cintilações e meigos céus de luz. 

Deixai-me navegar, morosamente, a remos, 
Quando ele estiver brando e livre de tufões, 
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos 
E enchamos de harmonia as amplas solidões. 

Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos 
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom 
Como um licor renano a fermentar nos copos, 
Abismo que se espraia em rendas de Alençon! 

E, ó mágica mulher, ó minha Inigualável, 
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais, 
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável, 
Entre o rumor banal dos hinos triunfais; 

Consente que eu aspire esse perfume raro, 
Que exalas da cabeça erguida com fulgor, 
Perfume que estonteia um milionário avaro 
E faz morrer de febre um louco sonhador. 

Eu sei que tu possuis balsâmicos desejos, 
E vais na direção constante do querer, 
Mas ouço, ao ver-te andar, melódicos harpejos, 
Que fazem mansamente amar e enlanguescer. 

E a tua cabeleira, errante pelas costas, 
Suponho que te serve, em noites de verão, 
De flácido espaldar aonde te recostas 
Se sentes o abandono e a morna prostração. 

E ela há-de, ela há-de, um dia, em turbilhões insanos 
Nos rolos envolver-me e armar-me do vigor 
Que antigamente deu, nos circos dos Romanos, 
Um óleo para ungir o corpo ao gladiador. 

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Ó mantos de veludo esplêndido e sombrio, 
Na vossa vastidão posso talvez morrer! 
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio 
E quero asfixiar-me em ondas de prazer. 

Cesário Verde, Livro de Cesário Verde