Carlos Nejar – Nossa é a miséria

Nossa é a miséria,
nossa é a inquietação incalculável,
nossa é a ânsia de mar e de naufrágios,
onde nossas raízes se alimentam.

Em vão lutamos
contra os grandes signos.

Seremos sempre
a mesma folhagem
de madrugada ausente.

O mesmo aceno imperceptível
entre a janela e o sonho.
A mesma lágrima
no mesmo rosto vazio.

A mesma frase
dentro dos mesmos olhos
sob a fonte.

Seremos sempre
a mesma dor oculta
nas árvores, no vento.

A mesma humilhação
diante da vida.
A mesma solidão
dentro da noite.

A mesma noite antiga
que separa
a semente do fruto
e amadurece
os lábios para a morte
como um rasto
de silêncio no mar.

Carlos Nejar, Livro de Silbion