Bruna Lombardi – Microcosmo

Adelaide pega o baralho 
vamos fazer um jogo 
hoje eu vou ficar em casa 
lá fora nada de novo 
Senta perto da janela 
como o mundo anda depressa 
Vamos, eu dou as cartas 
e você começa. 
Que grito é esse lá fora? 
A rua tremendo de medo 
Um tiro, um morto na rua… 
Já fez canastra, tão cedo? 
mas tem curinga, tá suja 
(mas se suja é a própria vida). 
Com que direito alguém força 
e controla, e manda, e rege, e mata, e marca, deixa ferida 
Do rei eu não preciso 
nem sei qual carta me serve 
(nem sei de outra vida) só intuo outra forma 
mais pura. Que o mundo está doente, está com febre. 
Pronto. Peguei o morto 
(e o da rua?) o mundo tem tantas calçadas 
tem até congestionamento. Ih, Adelaide 
este morto não tá bom, só tem cartas erradas 
E o valete não me veio 
e eu tinha esperado tanto 
e eu choro, Adelaide, e o sangue cobre as ruas da cidade 
do mundo vermelho de espanto. 

E o valete não me veio 
Cobre esta paisagem com as cores da delicadeza 
cobre a morte, a dor, a miséria, a violência. 
Tinge. Adelaide, o ás é mesa? 
Eu compro. Quem compra tem (sociedade de consumo) 
graças à propaganda e à Santa Comunicação 
o povo anda em rebanho 
(e presta tanta atenção) 
que se afoga na mesma onda (onda de transmissão) 
se mata com a mesma arma 
e obedece sem reação 
E eu vou fazer esta trinca, que assim faço mais pontos 
Se eu desse o 7 você bem que ficava contente 
Mas que máquina, que matemática, que temática 
é essa, o que foi que fizeram com a gente? 
Porque será que aquele homem quis matar o presidente
(que presidente?) Presidente de quê? se neste país 
somos todos adultos. Foi isso que fizeram com a gente 
Adelaide, somos todos adultos… 
Bateu, mas logo agora 
que eu comprei toda essa mesa… 
Acende a luz. Fecha a cortina 
que esse cinza me dá tristeza 
e que tá tão frio aqui. 
Vamos contar os pontos 
Acabou. 
Adelaide. Perdi. 

Bruna Lombardi, Poesia Reunida