Adélia Prado – Nem parece amor

Perdi a conta das vezes
que retomei esta escritura
sem avançar de sítios pantanosos,
tomando por melodia
o que era um ranger de ferros
de máquina contristada em seu limite.
Foi ontem e já tem cem anos,
faz um minuto só,
foi agora e foi nunca,
jamais aconteceu,
não há, não houve,
o que não tem palavras não existe.
De quem é então esta pegada?
Este filete de sangue?
Masturbações, risadas,
caretas no escuro, aliterações picarescas,
comem do meu cansaço em mesa farta.
Aquele que não responde
trata-me como a um cão
que por não ter aonde ir
se enrodilha aos Seus pés.

Adélia Prado, Poesia reunida